quarta-feira, 7 de outubro de 2009

(Barulho agudo do sino de parada do ônibus)

“Não meu, amor. Pra quê isso?!”
O corpo d’ela não estava firme, mas caminhava em direção à saída. Assim como seus pensamentos não estavam firmes. Ela, de impulso, queria descer e deixar seu rapaz lá naquele. Mas sabia que o que haviam conversado ainda não era o suficiente. Seus olhos trêmulos pediam o encontro com o chão metálico texturizado, outros olhos seriam uma afronta. A curiosidade alheia, então, atormentava. E na cabeça d’ele o que se passava? Duvidas. “Deveria a conversa ser estendida? Como poderei convencer-ela de que estou certo. Mas ela vai chorar...”
Como de supetão, logo atrás, sorrisos paradoxais habitavam o outro assento. O moço com um riso seguramente forjado tentava persuadir a moça e se impor sobre ela. “Vou conseguir o que quero. Seus lábios.” A moca já demonstrava certa timidez ao, compulsivamente, arrumar uma franja já arrumada. E rearrumava a um infinito incontável de vezes. O moço, mesmo que Quasimodo, demonstrava confiança no que queria e aquela seria a primeira vez e seria bem feita. O moço estava certo.
Eu não.
Ele então balbuciava para persuadir-ela. Ela vestia os óculos e procurava um horizonte como quem busca uma escora quando em um deslize. Agora era ela. Suas bochechas palpitavam violentamente em direção a ele, que não tinha mais o que fazer senão segurar o apoio do assento em busca de firmeza. Firmeza essa que não pertencia a ele naquele momento. Ela passou a intensificar a fala e não desviar o olhar, ainda que encoberto por lentes, do rosto d’ele. Ele ouvia. E seu olhar, repetitivo, procurava fixar-se, o que não aconteceria naquele lugar onde tudo gira em elipse.
O moço despediu-se com um beijo íntimo. Beijo de confiança, de doação mútua. A moça entre um beijo e outro, sorria, mas despedia-se do moço. O moço se levanta e...

(Barulho agudo do sino de parada do ônibus)

A moça, já sem seu moço, pôs-se a conversar com a amiga do assento ao lado. Percebera a moça que ele e ela estavam exaltados. E, como quem olha um incêndio no prédio ao lado, ficou curiosa. O espanto não demorou tornar-se jocosidade. Agora ombros se levantavam e baixavam num movimento rápido e repetido enquanto as mãos da moça tampavam o arco que se formava entre seu nariz e seu queixo. Uma risada dela no momento do espanto foi como um corte.
Ele desceria junto a mim. Ela, não sei. Chegada minha vez de descer ela me acompanha. Ele se manteve sentado até o último instante, como que aquela distância entre eles fosse amenizar a discussão. Abandonei toda essa confusão, e no meio do meu silêncio, olhei para trás de soslaio e: ele e ela na iminência de um abraço, quando outro ônibus amarelo corta meu campo de visão e passa cheio de outras historias, términos, inícios e reatamentos.