sábado, 24 de janeiro de 2009

Devaneios2

"Vitilantiluli pirra pirra cautivi assobiava o Sanhaço. E, pesarosa, outra ave cearense entoava: um mundo cheio de altos e baixos; onde caiu Pedro Segundo, cairá João Bastos. O dia está ótimo para ressucitar memórias que não me pertenceram, mas serão minhas e me tocarão de nostalgia por algumas horas.

E saber que meu tio-bisavô deixou o Ceará em 1904 para se tornar um dos maiores produtores e exportadores de borracha dos seringais amazonenses (é o que se conta) me encheu de um orgulho estranho, por não ser exatamente meu. Porém, como sempre, as glórias não vem sozinhas. Adoeceu e por falta de conhecimento dos vizinhos era tido como doente contagioso. Seus pertences, suas ações quotidianas tinham de ser somente dele. Chegando ao opróbio de depois de seu falecimento todos seus pertences e mobílias, objetos com bastante história, serem jogadas num despenhadeiro por medo da contaminação. Objetos que não poderiam ser divididos pelo receio dos outros em se contaminarem. Para tanto, J. Bastos. viajou à Suíça à procura de tratamento, o qual não havia pelas terras tupiniquins. Viajou com dois filhos e deixou por aqui sua esposa e seu legado. E para seu infortúnio descobriu que sua doença (cujo nome não me recordo) já estava em estágio avançado e que não haveria esperança de melhora, tendo como escape apenas aproveitar o tempo que lhe sobrava. Como forma de aproveitá-lo quis que seus filhos também o fizessem: deixou-os lá para que estudassem.

Voltando para o Amazonas, amarga um abandono da esposa, agora ex. Voltou para sua terra natal, Santana, região próxima a Itapagé-CE para poder ter seus últimos dias sem maiores tormentas e reproduzir aquele estribilho para outros.

E eu, duas gerações depois, conto num ritmo apressado a história que ouvi por minha tia. Mas essa é só a visão do contador. A minha visão. J. Bastos quem sabe encontrou coisa mais feliz que seringal, Suíça, escritos ou Santana poderiam ter-lhe dado.

O que me encanta é mais um canto de Sanhaço."

Escrito em 21/jan na mesma ocasião do texto em frente à televisão.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Devaneios

"'Tomara que chova enquanto eu estiver lá.' Pensei. E assim se fez. Não bastasse eu me sentir na mesma situação que há uns sete anos, ainda tuve de encarar novos problemas que afetaram meu sobrinho e ,diretamente, a todos os outros. A chuva não só aliviou o calor infernal que assolava a cidade naquela tarde, mas melhorou (um pouco) minha estada. Agora, rever as mesmas faltas de educação dos visitantes, as mesmas saídas para o Centro barulhento e as mais frequentes feiuras (e viva a Reforma Ortográfica!).

Fui ao clube com a família e me incumbi de vigiar nossos pertences enquanto eles se banhavam e aproveitavam o pouco do sol. Durante a ausência deles, lia Crime e Castigo e, simultaneamente, o céu se fechava e ventava fortemente. Com isso, aquela horda desesperada passava à minha frente procurando um teto, ainda havendo mormaço. Raskólhnikov se dissimulando e aquela manada estourando. E no clube a única água que tocou meu corpo foi a da chuva. E com os ventos fortes e nuvens escuras tomando o lugar do mormaço a massa bateu em retirada pra debaixo de um local fechado. Bestializados e ofegantes. Por que em massa boa parte de nós se comporta de forma animalesca? Seja em situação de desespero em que todo mundo tenta se safar de um malgrado ou quando tomados por adrenalina ou endorfina excessivas saem batendo em garçons ou queimando índios. Nelson Rodrigues me permita o empréstimo e a adaptação, mas, sim, toda unanimidade é burra.

E, na contramão, por que quase toda individualidade é acompanhada de incompreensão? As particularidades de alguns indivíduos em excesso às vezes sufocam, mas por que existe o costume de refutá-las antes de vê-las corretamente? Eu não aguentaria viver imerso em burrice sem razão, mas me imaginar recluso entre 'quatro pensamentos' também me aflige. A exemplo de agora: estou complementando devaneios, três dias após iniciados à beira de uma piscina. E agora estou numa sala diante de um televisor emudecido enquanto seis ou sete parentes estão a cômodos de distância a contar seus casos passados. Esse tanto de pergunta é basicamente por causa disto: eu insistir na distância, em alguns momentos. Às vezes me falta um bocado de aproximação (comedida, claro). Mas não será diante de um bloco de notas ( de celulose ou de pixels, qual seja) que eu conseguirei isso..."

Texto iniciado em 18/jan à beira de uma piscina e complementado em 21/jan à frente de uma tevê.