segunda-feira, 21 de maio de 2012

Buchenwald - Wir sind Frei

O tempo que tomamos entre Gießen e Buchenwald é necessário para um preparo emocional apropriado. Não dá para encarar uma visita a um campo de concentração como uma saída turística de lazer. É turística no aspecto de conhecer mais do estrangeiro, mas não é lazer pois essa palavra não cabe para um terreno onde 56.000 vidas foram tiradas. E é ainda mais assustador se for considerado que Buchenwald (no português, "floresta de faias", uma espécie de árvore muito comum nas matas europeias) foi um campo de concentração e não de extermínio como foi Auschwitz. É como se eu contasse uma a uma todas as pessoas do meu bairro morrerem durante oito anos e ainda tivesse que acrescentar mais de 20.000 outras mortes. Tentei trazer para minha realidade, mas era difícil. Não sou judeu, meu país nunca foi terra para guerra, não sei o que é perder um parente por motivos políticos, ou sem motivos plausíveis. Se é que se pode falar em plausibilidade em um genocídio. Mas eu sou humano e sei o peso de uma morte. Eu sou humano e me senti desolado ao ver os restos de humanidade espalhados pelo campo.
Eram botões de camisas, farrapos dos uniformes dos refugiados, desenhos com escrita infantil, fotografias de seres esquálidos.
Condições subumanas em que alguns (sobre)viveram entre 1937 e 1945, quando da tomada do campo de Buchenwald pelos sovietes. Do portão de entrada onde as palavras Jedem das seine ("Para cada um o seu") expunham a filosofia nazista até o limite oposto da cerca são 300 metros de cascalho e pedras de entulho de velhos edifícios outrora em atividade. A caminhada nesse espaço já exige uma energia muito grande, difícil tentar imaginar nas condições diárias dos judeus, presos políticos, homossexuais e diversos outros concentrados. Cada um era identificado por triângulos de cores distintas. Para cada configuração, um perfil de encarcerado. Mas para todos o mesmo sofrimento.cEm meio à paisagem desoladora do campo aberto o contraste com a linda floresta causa confusão. E praticamente no meio desse clarão de concreto pode-se ler a seguinte sentença, escrita em hebraico, alemão e inglês: "So that the generation to come might know, the children, yet to be born, that they too may rise and declare to their children." Minha colega, estadunidense de origem judaica, chorou. Aquelas palavras eram para ela também. Assim como para cada um da linha dos 56.000 que ali faleceram ou da linha dos 158.000 restantes que sobreviveram ou escaparam à exploração nazista com um pouco de esperança e em busca de um futuro melhor.

domingo, 20 de maio de 2012

abr'olhos

Minha barriga emitia os mesmos ruídos que os da barriga de Teresa quando sob o portal da casa de Tomas. Em Praga a Primavera era outra, os romances também eram mais frutíferos. Aqui a primavera me trouxe uma Sabina, tal qual uma teresa. No entanto, eu acordara ao lado de Teresa enquanto a misteriosa Sabina perdeu-se no mundo sem me avisar. Mas eu sei o que vou fazer de mim. Quando notei, estava compartilhando rotina com uma estranha conhecida que há dois dias dormia na mesma cama que eu. Não foi uma intimidade conquistada, mas sim uma cessão. Eu cedi espaço a ela e ela se acomodou. A cama não era confortável, mas cabíamos ambos. Dormimos ao som de Transa, acordamos ao som de Blackbird. Apesar de as paredes do quarto guardarem mais outras 99 músicas dos Beatles, a única coisa que eu compartilhava com o pássaro da música do Sir Paul era a asa quebrada. Ela continua na cama enquanto eu me levanto para fazer o mesmo que no dia anterior. Privada e banho. É ruim pra caralho saber que tem alguém te vendo no seu dia a dia, ou ao menos presente e notando os seus ruídos. Mal dou brecha para minha família, quem dirá uma garota que conheci dois meses atrás. Mas Teresa é interessante. Onde andará Sabina a essa hora?