quinta-feira, 22 de setembro de 2016

dizem que os problemas daquela família se resumiam a testosterona, estrogênio e grana. tem um autor – não vou googlar o nome porque cansei de ser pedante – que já dizia, né, que tudo é sobre sexo exceto o próprio sexo, porque este se resume a poder.
a mãe e o pai há muito já não sabiam o que é sentir as bochechas queimarem na menor demonstração pública de afeto. um casal que dorme na mesma cama, mas mirando direções opostas não pode esperar que os filhos encontrem um norte sozinhos. e essa falta de expectativa corroía o interior dos herdeiros.
- bom dia.
- ... bom dia.
 e assim os dias começavam regados a café queimado, esquecido no fogão por alguns minutos a mais que o necessário. o filho desistira da doçura e passou a sorver o líquido como vinha do preparo. a esperança era tragar algo mais amargo do que já havia dentro de si. mas essa tarefa nunca seria completa.

- onde você pensa que vai? tá achando que é dono do seu próprio nariz?
- mais um motivo pra eu partir. não tenho nada e nada vai me prender aqui.

ora eram os hormônios que faltavam, ora o dinheiro. alguns ali pareciam, caprichosamente, combinar as duas precariedades e assim tentar fazer com que os outros convivas também ficassem. uma forma de impor a inércia em que vivia aos corpos que lhe cercam.

coragem nunca foi uma herança genética. pelo contrário. naquele lar, os familiares se uniam pela fragilidade, pelas vicissitudes que, muitas vezes, não desciam, mas pareciam se prender no meio da garganta e o asfixiado repetia como um mantra: tá tudo bem, não tem nada de errado.

e engolir aquilo era difícil. expelir, então, nem pensar. a solução econtrada era conviver com aquele objeto estranho encalacrado e fingir que era normal.


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